Um passo a frente, dois atrás de um candidato ao fracasso

É possível pensar que os serviços de ônibus urbanos tenham seus dias contados? É impossível afirmar que tal aspecto possa ocorrer, mas é bom que todos os envolvidos com esse segmento fiquem espertos

É possível pensar que os serviços de ônibus urbanos tenham seus dias contados? Num momento em que vivenciamos um elevado nível de críticas ao modal, com a insatisfação dos usuários, a falta de qualidade oferecida pelas prestadoras do serviço, os custos cada vez mais crescentes e uma competição acirrada com outras modalidades de transporte no cenário dos deslocamentos nas cidades, a pergunta nos permite refletir sobre a luz do alerta ligada em relação a todos os problemas que o segmento está passando e dá o tom para que soluções sejam apresentadas como forma de salvar esse tradicional meio de leva e traz de pessoas que está inserido na mobilidade mundial como, provavelmente, o mais democrático e flexível de todos.

O ônibus não é pop, não é tech, mas é tudo para que milhões de pessoas possam se deslocar diariamente nos ambientes urbanos. Porém, esse tudo não está sendo suficiente para que o modal mantenha sua representatividade perante a mobilidade coletiva. São vários os aspectos negativos que acompanham o cotidiano dos serviços, sendo a falta de evolução do conceito uma das barreiras que contribuem com uma perspectiva nada positiva para o seu futuro.

Vejamos. Os sistemas de ônibus urbanos são regulados por gestões públicas municipais, com um longo histórico de mandos e desmandos por parte de prefeitos que não enxergam no veículo uma maneira de promover o desenvolvimento sustentável de uma cidade. A maioria das administrações públicas do Brasil vê esse tipo de transporte apenas com a simplicidade de se disponibilizar um mecanismo para que as pessoas possam ir do ponto A ao B. Isso não é mais possível, pois o mundo se transformou e as necessidades dos cidadãos em se deslocar criaram novos hábitos nas relações entre as tarefas cotidianas e as viagens urbanas.

Um passo a frente, dois atrás de um candidato ao fracasso
O modal ônibus urbano carrega muitos dilemas

Por muitos anos, o segmento dormiu sobre os louros, colhendo os frutos de uma calmaria proporcionada pela falta de concorrência. Não se viu iniciativa por parte de gestores e operadores em provocar um avanço nos serviços. Tudo parecia que a roleta continuaria girando e que o passageiro seria fiel mesmo sem uma contrapartida interessante que lhe desse qualidade ou rapidez em suas idas e vindas. Ledo engano. O que mais se vê hoje são usuários do transporte fugindo pela porta de desembarque e não voltando mais. A competitividade bateu e a operação adormecida recebeu um beijo que não foi do príncipe, mas sim dos ávidos concorrentes que encaram nas oportunidades do gap deixado pelos ônibus a sua melhor forma de negócios.

E nessa linha de fatores que corroboram com a situação pra lá de negativa, destaque para a evasão de receitas, a insegurança jurídica nos contratos de operação, carência de infraestrutura adequada para que os veículos tenham desempenho, os custos operacionais, desequilíbrio financeiro causado pela tarifa e gratuidades, a falta de transparência em muitos casos na relação entre operadores e poder público, a inexistência de programas de incentivo ao transporte, competição com os sistemas de aplicativos e a incapacidade do Estado em gerir os serviços. É uma lista bem considerável e desafiadora frente a outras questões que ainda possam surgir.

Carente de um processo que lhe proporcione um salto de evolução para ser um grande articulador na mobilidade urbana, o ônibus quando conquista benefícios para a sua operação, podendo assim transmitir ganhos para quem o utiliza e também ao ambiente, logo sofre algum revés que o faça voltar a estaca zero nos avanços (vide alguns sistemas de BRT pelo Brasil). Isso é muito comum em virtude dos humores das administrações municipais com certos apreços em algumas gestões e um olhar nada positivo em outras. Um passo a frente, dois atrás.  

Há uma necessidade urgente que o modal ônibus urbano se reinvente para poder ser competitivo em meio a outras opções de deslocamentos que aí estão. Não é mais possível olhar o veículo preso aos frequentes congestionamentos nas médias e grandes cidades brasileiras. Isso faz com que sua ineficiência contribua com o não desenvolvimento urbano. O ônibus pode ser tech, pop e tudo, mas a necessidade por investimentos em sua operação, com o uso da tecnologia de gestão, informação e comunicação, da prioridade operacional e de veículos modernos, é fundamental para que ele alcance regularidade, seja confiável e rentável. É dever do Estado promover tais condições, afinal, os serviços são públicos, sendo necessário exigir uma melhora significativa. Quanto a pergunta feita lá no começo deste texto, é impossível afirmar que tal aspecto possa ocorrer, mas é bom que todos os envolvidos com esse segmento fiquem espertos sobre o futuro do modal, quanto ao seu sucesso (competitividade) ou se o fracasso moldará sua operação.

Imagens – Revista AutoBus

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