Padronizar ou não, eis a questão

A discussão entre os modelos causa calorosa tensão, que vai desde a alegação do uso das cores relacionadas a bandeiras partidárias até a intervenção do poder público na liberdade de se pintar o veículo que é de propriedade privada
Por Osvaldo Born

Gosto não se discute, mas sim se lamenta, diz a máxima popular. Mas, quando “popular” tem a ver com o mais usual dos meios de transporte coletivo do País, as discussões se acaloram e se ampliam. Ainda mais quando o motivo são outdoors gigantes que transitam 24 horas por dias nas cidades. Estamos falando na identidade visual dos veículos de transporte coletivo, ou em termos menos técnicos, a pintura dos ônibus urbanos.

A discussão tem a ver com as pinturas padronizadas impostas pelo poder público versus identidade visual personalizada por cada empresa. De um lado, os que defendem que cada operador deve seguir sua própria vontade e pintar os ônibus de sua propriedade conforme quiser. Do outro lado, aqueles que pregam que o serviço é uma concessão ou autorização do Estado e, portanto, operadores devem seguir as regras ditadas pelo poder público que inclui a pintura dos veículos.

Padronizar ou não, eis a questão

Isso implica em refletir sobre diversos aspectos. Pinturas padronizadas tendem a ser maioria em sistemas ditos mais “organizados” que geralmente compõem uma rede estruturada e que denotam uma intervenção mais intensa do poder público em diversos aspectos, incluindo o visual dos veículos e sua identificação, tal como a presença de brasões, numeração de ordem e estilo de organização, como cores diferenciadas em faixas ou fundo que identificam tipos de linhas ou categorias do sistema. Pinturas livres tendem a estar presentes em sistemas com menor “mão” do Estado sobre os diversos aspectos que compõem a operação, incluindo a própria identidade visual dos veículos e que chega até a liberdade de oferecer horários ou tipo de frota conforme seu entendimento da oferta e demanda.

A discussão entre os modelos causa calorosa tensão, que vai desde a alegação do uso das cores relacionadas a bandeiras partidárias até a intervenção do poder público na liberdade de se pintar o veículo que é de propriedade privada. Os que defendem o modelo livre até citam que o empresário pode diferenciar sua operação dos demais, pois no caso de pintura padronizada geralmente o nome de operadores não tem destaque e para o usuário acabam todos os ônibus sendo a mesma coisa, ou seja, o passageiro não sabe se o ônibus novo ou aquele mal conservado é da empresa “x” ou da “y”. Outros ligam, curiosamente, o critério das pinturas à identificação pelo usuário do ônibus que ele toma todos os dias, especialmente em locais atendidos por mais de uma empresa. Ele pode diferenciar a chegada do veículo pelas cores que ostenta, de certa forma até aproximando o cliente da empresa. E, ainda, defendem que pinturas livres são uma forma de dar beleza à cidade exibindo obras de arte volantes pelas ruas.

Padronizar ou não, eis a questão

Parece que temos alguns bons argumentos, no entanto, eles não são totalmente seguros na prática. Não são todas as empresas que mantém a mesma identidade por muito tempo, até porque algumas variam justamente para mostrar que está renovando a frota. Isto, na verdade, se torna cada vez mais constante nesta contemporaneidade que vive da mudança, do novo a cada dia. Outra contestação que podemos fazer tem a ver com a dita obra de arte passeando pelas ruas. Iniciei o artigo falando que gosto não se discute. No entanto, é evidente que muitas pinturas promovem a feiura das cidades, pela tenebrosa combinação de cores, fontes e outros elementos, algumas vezes integrados em tentativa de omitir o número de ordem, por exemplo. Tem se tornado comum o abuso do fundo branco com aplicação sem muito critério ou criatividade de pequenas faixas. Ainda que uma boa cor, visto que o branco auxilia pela sua visibilidade na segurança do veículo, a intenção real é facilitar a venda do veículo ao final do uso, pois uma cor neutra pode facilitar a repintura de elementos como a faixa de escolar, destino de boa parte dos urbanos após a vida útil de operação em linhas regulares. O outro aspecto a contestar tem a ver com a diferenciação de uma empresa da outra. Neste sentido sabemos que existem diversos tipos de atendimento, vários tipos de manutenção em diferentes empresas, além, evidentemente, diferenças na própria frota. Mas o poder público está aí justamente para minimizar as diferenças entre as empresas para que, na média, todas tenham um atendimento mais próximo possível da excelência, independente da cor que aplica em seus ônibus.

Algumas regiões e cidades mantém há muitos anos as pinturas padronizadas para as frotas. Joinville, São Paulo e Curitiba são exemplos de municípios que optaram pela identidade visual praticamente única para a frota. As duas primeiras ao longo de mais de duas décadas e, no caso da capital paranaense, uma opção de praticamente 50 anos. A capital paulista, na verdade, desenvolveu diversas pinturas padronizadas ao longo dos anos, praticamente com rupturas a cada mudança de partido à frente da prefeitura. Joinville teve pequenas variações, inserções e supressões de faixas e fundos, mas manteve até agora o visual amarelo de toda a frota. Curitiba, do expresso vermelho e convencionais “verde, amarelo e prata” dos anos 70 foi diversificando o fundo das pinturas dos ônibus, padronizando a cor única de fundo, variando-a conforme o tipo de serviço de cada veículo e linha. Mas, as variações foram tantas que, recentemente, foi preciso otimizar estas opções e duas cores foram extintas na renovação, o tradicional amarelo e o azul dos biarticulados de operação direta que era uma das cores mais “novas” do sistema.

Eu, pessoalmente, defendo um modelo híbrido, até próximo do que existe ou existiu em alguns sistemas no País. Que uma parte da carroceria (em torno de 30 a 40% da área livre), tanto nas laterais como frente e traseira, esteja padronizada com dados do sistema, incluindo o número de ordem do veículo (importante para momentos de fiscalização e até reclamação do serviço pelo usuário), brasões do governo, tipo de serviço e similares. E no restante da carroceria o operador poderia manter sua própria identidade e marketing visual, diferenciando com isso o seu veículo dos demais, destacando até mesmo elementos da região que atende. Uma opção razoável, que mantém a unidade de um sistema com todos os dados indispensáveis à sua identificação e ao mesmo tempo libera a criatividade dos designers e gosto dos empresários para colocar suas obras de arte pelas ruas.

Imagens – Osvaldo Born

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