Descompasso ambiental

O diesel é o principal combustível na matriz energética dos sistemas de transporte na América Latina, sendo ele um dos vilões no cenário urbano no tocante a poluição tóxica e climática
Financiando o modal, em seu todo

Editorial

(Reeditado)v

Já definida, a rigidez no controle das emissões poluentes dos motores a diesel para os veículos comerciais brasileiros será aplicada daqui a três anos. O ano de 2022 para os novos modelos e 2023 para todos, é a data base já definida em Resolução do Conselho Nacional do Meio Ambiente – Conama – para a substituição dos atuais requisitos da norma Euro V pelas especificações da norma Euro VI (Proconve P8), bem mais exigente no combate às emissões, especialmente pela introdução dos DPFs – Diesel Particulate Filters – com eficiência de redução das emissões do material particulado fino cancerígeno de mais de 90%. Se fizermos um comparativo com o que a Europa promoveu, observaremos que teremos um gap de 10 anos, pois o mercado europeu passou a adotar a Euro VI em 2012. E lá já se projeta a atualização dessa forma para a fase D, mais rigorosa quanto a testes e a redução das emissões em partida a frio e operação em baixa velocidade, visando a melhora da performance dos sistemas de controle de emissão em áreas urbanas em regimes de baixas velocidades.  

Como todos sabem, o diesel está na berlinda das discussões sobre um ambiente mais limpo e no combate aos efeitos negativos das mudanças climáticas. O seu uso tem provocado, ao longo dos anos, consequências impactantes na saúde pública e na qualidade do ar que respiramos.

Entretanto, não podemos descartá-lo da noite para o dia, em função de sua massiva presença nas frotas de ônibus e caminhões. Se há uma grande mobilização mundial que objetiva a sua substituição por outros tipos que sejam renováveis (biocombustíveis líquidos e gasosos) ou mesmo isentos de emissões de carbono, no Brasil ainda teremos um longo caminho até que se deixe de usá-lo. Na transição para algo mais limpo, ainda conviveremos com veículos tracionados por motores de combustão interna a diesel, limpos, o que é possível mediante o emprego de tecnologias de controle de emissões e de combates às fraudes.

Mas, é preciso um start. Se o País até agora ainda não tomou essa iniciativa, outros países das Américas já veem puxando a fila para introduzir a norma Euro VI (diga-se de passagem, com o mesmo rigor que a versão europeia). A capital chilena, Santiago, é um exemplo positivo ao introduzir recentemente uma nova geração de ônibus urbano para a operação em seu sistema de transporte coletivo. São veículos da classe Euro VI, cuja configuração traz a motorização a diesel com baixos índices de poluentes NOx e MP, respectivamente óxido de nitrogênio e material particulado.

Bogotá, na Colômbia, por meio de seu consagrado sistema de transporte coletivo, o TransMilenio, está promovendo o processo de atualização tecnológica de seus ônibus, adotando diversas alternativas de veículos com reduzido índice de emissões poluentes, entre eles gás natural, elétricos e até mesmo modelos Euro V equipados com filtros de partículas. Na cidade do México também há o interesse pela operação de um motor a diesel mais limpo. As autoridades públicas locais já estabeleceram prazos para a introdução da normativa europeia Euro VI atual e as montadoras mexicanas de veículos comerciais estão atentas ao contexto da evolução dos países desenvolvidos.  Até mesmo as extremamente poluídas metrópoles da Índia saltaram diretamente da tecnologia Euro IV para Euro VI em abril deste ano, visando abater parcela do material particulado fino que chega a níveis insuportáveis naquele país. 

Em meio às discussões sobre como reduzir as emissões poluentes do seu setor de transporte coletivo, a cidade de São Paulo poderia fazer como Bogotá e adotar filtros de particulados em ônibus com motores Euro V, na medida em que essa tecnologia demonstrou ser bem sucedida. A capital paulista também poderia inovar, adotando em caráter experimental os motores Euro VI, afinal, o Brasil é considerado um centro de desenvolvimento das muitas fabricantes europeias de chassis para ônibus, fato que não traria qualquer problema para elas aproveitarem a autorização de antecipar a utilização da futura norma, uma oportunidade para testes e avaliações, aspecto que poderia permitir nossa atualização tecnológica.

Cabe aqui lembrar que no caso dos ônibus para Bogotá e Santiago eles são importados, representando um maior custo, pois não há na Colômbia e no Chile uma indústria local capaz de atender o mercado. Apesar desse descompasso ambiental, nós temos exemplos por aqui que nos permite ser reconhecidos como o fornecedor da tecnologia e não ter que aguardar mais quatro ou cinco anos até nos ajustarmos, tardiamente.

Porém, ao invés de convergirmos com a retomada da economia em bases sustentáveis, a adoção da norma Euro VI corre o risco de ser postergada em solo nacional. Em recente artigo do jornal Valor Econômico, a proposta de adiamento por três anos da entrada da Euro VI foi anunciada pela indústria com a alegação de grandes dificuldades para manterem os investimentos originalmente previstos para realização do desenvolvimento de engenharia e testes dos novos motores em razão da queda das receitas.

Se isso se confirmar, teremos agravado o grande delay tecnológico em relação aos países que dedicam maior atenção aos aspectos relacionados ao meio ambiente saúde pública. Se a razão por parte das montadoras é econômica, as grandes cidades continuam sofrendo com os problemas de saúde oriundos da poluição, em função do excessivo uso do veículo automotor (individual), de uma frota velha de caminhões e outros veículos comerciais e da falta de políticas públicas para incentivar o transporte público. Até quando estaremos nadando contra a corrente?

Imagem – Reprodução

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