Novas formas de financiamento ao transporte

Buscar novos mecanismos que permitam um modelo diferenciado no quesito financiamento dos sistemas é a ordem para a sobrevivência em um momento conturbado

Os sistemas de transporte urbano no Brasil padecem da falta de investimentos e financiamentos para garantir a sustentabilidade econômica. É comum no segmento a lamentação sobre o estado nada otimista em que se encontra, sempre cobrando dos governos recursos financeiros visando a manutenção dos serviços em meio ao espectro da concorrência com outros modais e com a perda constante de passageiros.

Nesse contexto e ainda como forma para a introdução de meios ambientalmente limpos nos serviços de ônibus urbanos, buscar novos mecanismos que permitam um modelo diferenciado no quesito financiamento dos sistemas é a ordem para a sobrevivência. O Informativo AutoBus conversou com Thatyanne Gasparotto, responsável por coordenar os esforços da CBI (Climate Bonds Initiative) para impulsionar o desenvolvimento dos mercados financeiros verdes em toda a América Latina. A CBI acredita que a transição para uma economia verde e resiliente é, portanto, crucial para garantir que as regiões da América Latina e o Caribe consigam reduzir suas emissões de gases de efeito estufa (GEE), se proteger melhor dos riscos climáticos e prosperar no longo prazo. E os títulos verdes podem ser um instrumento importante para sustentar tal transição.

Informativo AutoBus – O que são os títulos verdes que podem ser aplicados, utilizados ou explorados no transporte coletivo feito pelo ônibus?

Thatyanne Gasparotto – Títulos verdes são títulos de dívida emitidos por entidades financeiras, corporativas ou públicas em que os recursos são utilizados para financiar projetos e ativos verdes. Como sistemas de transportes público coletivo oferecem ganhos de eficiência e menores emissões quando comparados ao transporte particular, eles são considerados como ativos de baixo carbono de modo geral. Emitir um título verde é muito semelhante à estruturação de um título de dívida convencional, onde a única diferença é que a operação verde conta com uma revisão externa que irá atestar quanto à destinação adequada dos recursos captados. Este processo oferece maior transparência para atrair investidores, e o emissor deve manter relatos anuais acerca daquele título também com o objetivo de disponibilizar estas informações à atores do mercado financeiro.

AutoBus – Em linhas gerais, quais as vantagens que podem ser alcançadas?

Thatyanne – Em linhas gerais, títulos verdes possuem o potencial de alcançar uma maior carteira de investidores, contando com aqueles especificamente dedicados à investimentos verdes além de investidores tradicionais, logo temos um universo maior de investidores que buscam este tipo de título do que a títulos convencionais. O mercado de finanças verdes também propicia ao emissor (de dívida), uma oportunidade de visibilidade maior, com ganhos reputacionais ao dar transparência à sua carteira de ativos e iniciativas de baixo carbono. Para o investidor, o rótulo verde traz maior transparência e rastreabilidade da gestão dos ativos investidos, além de também, potencialmente, diminuir o risco de suas carteiras (em comparação com investimentos em combustíveis fósseis por exemplo), e também do risco de impactos físicos provocados pelos efeitos das mudanças climáticas.

AutoBus – Como os serviços de ônibus urbanos podem se beneficiar com os títulos verdes?

Thatyanne – Serviços de ônibus urbanos podem, a partir de títulos verdes, beneficiar-se, potencialmente, com acesso a uma carteira totalmente nova de investidores. Atraindo, portanto, mais capital disponível, principalmente advindo de investidores privados.

AutoBus – Para se enquadrar a eles, o que a operadora ou o sistema necessitam realizar?

Thatyanne – Para uma emissão de título verde certificado, o primeiro passo é fazer uma revisão da carteira de ativos/ projetos e analisar se eles se enquadram dentro dos Critérios de Elegibilidade para o Setor de Transportes do Climate Bonds Standard (documento disponível no site da CBI). Após essa pré-seleção, o próximo passo é contatar um dos verificadores acreditados pelo Climate Bonds Standard (temos seis atuando no Brasil, atualmente), que irão revisar a carteira de ativos/projetos e irão emitir um parecer que deverá ser submetido à CBI para a emissão da certificação. A certificação de títulos verdes atua como um sinalizador para investidores, “destacando” o título em comparação com títulos não rotulados.

AutoBus – Mesmo sendo um serviço essencial e que contribui com o desenvolvimento urbano, o modal brasileiro ainda não acompanha a evolução em conceitos. Isso é um desafio a ser ultrapassado por poder público, operador e gestor municipal?

Thatyanne – As capacidades públicas têm muitos desafios diante das realidades apresentadas pelo setor de transporte urbano e rodoviário no país, e que se referem não somente à evolução para modais de menor emissão de GEEs. Neste sentido, investimentos em sistemas de transportes público e de massa oferecem um ganho maior de eficiência, e portanto, são considerados como ativos de baixo carbono. De todo modo, sistemas de transportes em todo o mundo devem buscar melhorias contínuas, principalmente no tange à eletrificação sempre que possível. O uso de biocombustíveis também é uma alternativa importante para reduzir as emissões destes ativos.

Outro ponto que vale ser considerado é com relação ao modelo de financiamento destes sistemas/projetos, tradicionalmente mais dependente de fontes de financiamento público. Entretanto, o mercado de finanças verdes mostra que há uma disponibilidade considerável de capital privado buscando este tipo de produto financeiro, portanto, o potencial de atração de investimentos para a infraestrutura de transportes é maximizado a partir da implementação de projetos que possuam credenciais verdes.

AutoBus – A tecnologia limpa é tendência para ser utilizada em larga escala nos ônibus do Brasil. Isto é, em um futuro de médio e longo prazo. Esse aspecto também pode ser beneficiado com os títulos verdes?

Thatyanne – Sim. Quando falamos sobre projetos financiados ou refinanciados por títulos verdes, estamos falando de ativos alicerçados principalmente na redução de emissões de GEE, e de resiliência e adaptação às mudanças climáticas. Portanto, a utilização de tecnologia limpa utilizada em larga escala em ônibus no país tem grande potencial para ser financiada através desse tipo de instrumento financeiro, e, certamente, haverá cada vez mais demanda destes sistemas para que continuem operando (e obtendo financiamento).

Imagem – Divulgação

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